5 de março de 2013

x10

Há dez anos estava em S. Francisco Xavier e, por entre as mãos da minha ex-sogra que mais frequentemente do que eu gostaria me seguravam pelo colarinho enquanto perguntava selvaticamente "como está a minha filha?!", ia pensando na vida. Não na minha vida em particular, vida que até então tinha sido basicamente um passeio agradável por esta terra, infância  e adolescência feliz e rica em coisas que devia ter feito e em coisas que nem por isso, mas que, ainda assim, não deixei de as fazer, mas na vida enquanto milagre biológico. Ia entrando e saindo da sala de parto mais ou menos ao mesmo ritmo que as companheiras de quarto dela iam parindo e partindo para outras salas, mais filho, menos filho, pareciam rotinadas em desovar como se nada fosse. Ia perguntando se ela sentia dores, dizia-me que não. Isto até me ter quase partido a mão com uma contracção. Depois levou a epidural e da próxima vez que a vi estava com a língua de fora a dizer "isto é buéeeeeeeeee fixe", ao que eu troquei dois olhares com a enfermeira e percebi que, enfim, era mais ou menos normal. Numa das vezes em que já tinha saudades de ir aturar a senhora mãe da senhora mãe da minha filha, ao voltar deparo-me com uma cama vazia. Tinha parido assim de um momento para o outro. E eu sem ver nada, sem assistir. Senti-me, na altura, bastante aliviado: eu sabia lá se ia desmaiar ou algo do género. Na sala de espera estavam o meu pai e o meu sogro: não fizeram outra coisa senão irem gozando comigo ao longo do dia (que tinha começado às cinco da manhã numa cama ensanguentada, bonita maneira de acordar). Se eu desfaleço lá num canto qualquer ia ser gozado até à morte. Entretanto lá me chamaram e mostraram-me o bicho através de um vidro. Era cabeluda e mexia muito os braços e as mãos. Parecia que ia abrir os olhos. E eu fiquei ali, sem saber onde pôr as mãos. Sem saber o que dizer. Pior, sem saber o que sentir. Não sei o que senti, ainda hoje. Sei que não era nada do que eu pensava. Eventualmente lá peguei nela, e parece que fiz aquilo a vida toda. Tendo em conta o estado em que a senhora mãe da criança ficou, assumi papel de destaque no tratamento da recém-nascida. E a ligação que se criou nesses primeiros dias manteve-se: por uma ou outra razão, acabei por ser sempre eu a ter um papel mais presente na vida da Catarina. Hoje passaram dez anos, é demasiado para conseguir colocar num só texto. Verdade seja dita, também me custa escrever sem cair em mil e um clichés. Hoje passaram dez anos, quase um terço da minha vida, e sei que já fui melhor pai do que sou hoje. Achava-me tão adulto quando ela nasceu. Tinha vinte e dois anos. Isso prova a irracionalidade da minha pessoa, na altura. Mas, apesar de tudo, dez anos depois, sei que fizemos um bom trabalho.




4 comentários:

Passion Addicted disse...

Epá sim senhora moço! Tiveste bem agora! Gostei de ler! :)

Parabéns à tua pequena! E parabéns ao pai dela (e à mãe, já agora, que também merece!)

Aquele abraço

Passion Addicted disse...

.

Blue star disse...

Eu diria que fizeram um excelente trabalho.
Parabéns a ela
=)
* * *

Ricardo disse...

Obrigado :)