12 de março de 2014

... a tosse desaparece!

Considero que tenho no olfacto o pior dos meus sentidos mas isso não impediu que hoje, ao entrar no comboio, sentisse um cheiro que me levou de volta à infância, cada vez que inalava sentia uma nostalgia desenfreada e o pior de tudo é que não conseguia precisar a situação e a pessoa com quem eu relacionava o odor, uma coisa simples, rebuçados para a tosse, Dr. Bayard para ser mais preciso, pensei logo, claro, nas avós, no avental da avó materna com uma mola presa para não se esquecer de qualquer coisa, avental que, na minha memória, guardava rebuçados e outros bens de vital importância para os netos, fiquei na dúvida, pensei na avó paterna, penso muito na avó paterna, em recipientes de prata com rebuçados em cima de móveis antigos, sob o olhar tétrico de naturezas mortas ou cenas de caça inglesas, num rés-do-chão da rua de Santa Catarina a dois passos do Adamastor, onde muitas vezes fingi ser o Diamantino ou o Carlos Manuel, lembrei-me depois da farmácia A. Costa, em Cascais, de móveis escuros e pouca luz, continuo sem conseguir encontrar o momento, vou construindo recordações, a minha avó materna não devia guardar rebuçados no avental e a avó paterna não os tinha, certamente, naqueles recipientes de prata, penso nas malas da minha mãe, na paciência dela em intermináveis visitas ao médico por causa de anginas e amigdalites, não havia viroses naquela altura, em que tinha de aturar um fedelho que lhe testava a paciência de santa com perguntas de Calimero de vão de escada, falta muito, porquê eu, porque é que estou doente, porque é que não somos nós, quando é que vamos embora, porquê, quando, como, santa paciência a da senhora Teresa, e a farmácia, quando hoje lá entro é tudo tão claro e luminoso e os velhinhos de balcão substituídos por farmacêuticos novinhos e sorridentes, percebo que realmente não vou ter resposta para a minha questão e a sensação de conforto imaginário provocado pelo cheiro familiar é substituída pelo medo do que o tempo faz à memória e do quanto eu guardei de mim dos anos oitenta, noventa, como se eu ainda lá estivesse e como se tivesse a indelével certeza de que se o perder me perco também. 

6 comentários:

SJ disse...

Aquela do Álvaro de Campos ser do meu clube... só tu :)

Ricardo disse...

Ainda bem que ninguém ficou ofendido. Depois de um post sobre o Bruninho e agora isso, tenho andando a pensar que é uma sorte não ter um talho.

Ricardo disse...

Ah, e acho graça que citem essa piada mas ninguém fala do facto de eu dizer que alguém com a quarta classe só podia ser do Benfica.

SJ disse...

Isso parece-me bastante óbvio :D

Nada disse...

Há qualquer coisas com os aventais com molas e rebuçados...questiono-me se um dia terei um. Recordações...=)

Ricardo disse...

Qualquer dia torna-se moda.