1 de outubro de 2012

Olham-te nos olhos

A meio do inventário chamaram-me ao balcão porque havia uma senhora para falar comigo, lá fui, algo chateado, afinal de contas estou em inventário, não me apetecia muito ouvir reclamações, desta vez era outra coisa, cada vez mais comum, a senhora, reparando no rebuliço que ia naquele sítio, queria saber se podia ajudar a realizar o inventário, recebendo para isso uma remuneração simbólica à hora, pedido que tive obviamente de recusar, recusa essa que foi respondida com um pedido de ajuda directo, olhos nos olhos, pálpebras e lábio a tremer, dinheiro, ajuda, formada, desemprego, tudo palavras que me cravava no ser, e eu, a manter a postura, que resposta dou?, o que digo?, que não posso?, que não devo?, porque não devo e não posso, pudesse eu juntar dinheiro para a minha filha e seria eu uma pessoa mais descansada, claro que aqui entram as bocas "ah e tal não podes juntar dinheiro para a Catarina mas compras discos e vais a concertos" e eu respondo oh que caralho, então não querem que viva?, pois que a própria criança me incentiva a isso, coisa mais linda, mas, voltando à senhora que me abordou, a única coisa que lhe dei foram votos de boa sorte, sinceros, claro, porque estas situações acontecem aqui cada vez mais, pessoas que me chamam para pedir dinheiro, umas de forma dissimulada, outras completamente frontais, a frase "perdi a vergonha" é usada como uma bandeira do desespero que nos derramam em cima, e, por mais que pensemos noutra coisa, a picada cá dentro demora a passar.

1 comentário:

Anita disse...

Que situação constrangedora... A situação está a alastrar para um estado calamitoso :(