18 de março de 2015

E eu que sou um gajo que aprecia o conforto do lar

Interrogo-me sobre que motivo é que pode levar um homem, à beira dos setenta anos, a percorrer uma estação de comboios praticamente deserta, perante o olhar confuso de um gato, vezes sem conta, para trás e para a frente, e sobre o que me leva, eu que o observo na mesma estação decrépita e pontilhada de poças, bem a sul, a largar o meu livro, Aleluia! de seu nome, e ficar a observá-lo tentando descortinar um sentido naquele movimento pendular, panamá na cabeça e chapéu-de-chuva baloiçante na mão esquerda, chega à passagem de nível, atravessa até meio, volta para trás, percorre a plataforma toda, ignora o gato (como é que se ignora um gato daqueles, a apanhar sol, de olhos fechados até sentir uma presença repetida, sentado num degrau de um casebre que já viu melhores dias), repete, ignora o gato, e o comboio chega e ele desaparece nas escadas que dão acesso à estrada principal, enquanto eu me sento numa carruagem onde sou o único passageiro português e não reformado, e volto a ler sobre pastores e cultos e louvores, acho que nunca tinha reparado nesse tipo de igrejas por esse Portugal fora, e, como nestas coisas o destino não brinca, jantei ao lado de uma igreja baptista, eu e o dono sozinhos no restaurante a ver o Barcelona, e eu a ver a bola e a sentir-me como o gato no degrau, só me apetecia abrir os olhos quando sentisse uma certa presença.

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