29 de maio de 2013

Não há dia em que não me arrependa

Não há dia em que não me arrependa de ter ganho esta defesa, de me ter fechado e isolado, de fingir que não existia uma ausência que me matava a cada segundo que estamos distantes, de manter a porta do quarto fechada como se de uma porta para o sofrimento se tratasse, como se, abrindo aquela porta, nada existisse atrás dela, a não ser no fim-de-semana, quando tudo era feito de alegria e risos e brincadeiras e amuos e chatices e castigos e abraços que esmagam e beijos que enternecem e uma respiração de sono que embala, acho que fechei essa porta durante demasiado tempo e criei uma separação que parecia ser a minha salvação mas que agora, com o tempo sobre os ombros, percebo que é uma perdição, uma espécie de maldição, não vejo a minha filha já há algum tempo, demasiado trabalho, trabalho nas folgas, horários impróprios, e, até hoje, pouco pensei nisso, mas, minutos antes de sair do emprego, disse em voz alta que ia vê-la, e aí desenrola-se toda uma semana debaixo dos meus olhos, uma semana em que não a ouço rir, em que não ouço as inacreditáveis conversas dela, em que até, imagine-se, sinto a falta das pedinchisses constantes dela, e percebo tudo o que perdi e como o perdi conscientemente, e aí perco toda a força, perco a força para a olhar nos olhos, como é que se pede perdão a alguém que não te pode nem deve perdoar, só tenho forças para deitar a cabeça na secretária e esperar que estes cortantes minutos passem e possa correr para Cascais e apanhá-la em casa da mãe, vamos ao Pipers e eu vou ficar a vê-la comer, a ouvi-la falar com a tia, a deixá-la ser e estar, porque a feira ainda agora começou e ainda há muito tempo até estarmos os dois de férias, juntos, todos os minutos, como devia ser, como é que se pede perdão a alguém que é a maior parte de ti?

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