16 de março de 2013

Tem dias

Isto é enorme, as palavras iam caindo ao ritmo da boina, coçada e descolorada, a caminho de ser pousada no balcão, um último olhar para trás a perder-se no corredor, uma incredulidade quase pueril, a mão, de dedos grossos e rudes, é levada à cabeça para a coçar, e eu que vivo há cinquenta anos em Lisboa e nunca aqui entrei, bem, passei à porta, mas entrar, não senhor, nunca entrei, voltou a olhar para o livro de apoio escolar que levava para o neto, o raio dos professores é só pedir, só pedir, eu concordei e acrescentei que era a primeira vez mas que agora voltaria mais vezes, ele foi deixando cair umas notas no balcão, amarrotadas, saídas de um dos bolsos das calças, à procura da mais baixa, da certa, e disse agora já é tarde, já não há muito tempo, deu-me a nota, fechei a venda e despedi-me mas as verdadeiras palavras que lhe teria dito ficaram guardadas no saco que levou.

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